Não te quis escrever no meu caderno das memórias. Mas naquela dia, abri-o no meio e descobri-te naquelas folhas já amarelecidas que tinha guardado para a lua cheia, para a árvore nua e para a nuvem que se tinha deixado pousar.
Tinha guardado aquelas folhas para me recolher no silêncio e daquela cadeira poder ver o horizonte com o mar lá ao fundo.
Mas ali estavas tu. Refugiado sobre ti de cigarro na mão. E o cigarro de tão lentamente fumado, em toda aquela calmaria, ia deixando um rasto de fumo a fazer lembrar uma flor.
Eu vim da página ao lado e sentei-me debaixo da árvore com uma mão a brincar com a nuvem macia e outra em cima do joelho flectido.
Chamei-te baixinho. Viraste-te e, com o espanto nos olhos, sentaste-te ao meu lado.
E ali ficámos naquela canto do tempo a gastar nomes, pronomes, verbos, adjectivos e a despejar alguns recantos das nossa almas.
Descobrimos muitas diferenças, grandes afinidade e muitas cumplicidades, que prometemos arrastar dali para o tempo real que nos foge por entre os dedos, longe das páginas em tom sépia deste meu caderno das memórias.
Ali sentados gastámos as palavras que tínhamos para dar e quebrámos todos os silêncios desta paisagem. Trocámos de mãos, de sentires, de saberes e de sabores. Num momento, virámo-nos um para o outro, e de dentro dos olhos cheios de tudo, saiu uma vontade louca de partir numa cumplicidade entretanto descoberta.
Subimos na nuvem e movidos pela brisa corremos com ela por baixo da lua cheia, por cima dos montes, ao longo dos vales e das planícies até chegarmos ao mar.
E foi aí que parámos a brisa, descemos da nuvem e corremos pela areia até à gruta lá do fundo onde, depois de gastas todas as palavras, saciamos as cumplicidades nos corpos que descansam agora lado a lado.
Na página do caderno ficou agora gravada a memória de ti.